sexta-feira, março 30, 2007

Esse corpo que não me pertence

Há vinte e sete anos que me movo para onde quero, que como o que dá vontade, durmo na mesma posição estranha e ando sem pensar muito onde piso.Ou seja, quem estava no comando era euzinha aqui. Meu cérebro pedia e os membros obedeciam, simples assim. Comer, comia, andar, andava, dormir, dormia...
Mas tudo mudou! Uma pessoinha que agora tem 32 cm e uns 400 g, do tamanho de uma régua e peso de um pacotinho de café, domina todos os movimentos, desejos e atitudes que eu venha a ter. Ela ocupa, teoricamente, somente a parte do meu corpo chamado útero, mas, na prática, ocupa meus olhos, boca, nariz, estômago, intestinos,músculos, pele, membros inferiores e posteriores e, o mais importante, ocupa até mesmo o meu cérebro.
Não, isso não é uma reclamação, é uma constatação óbvia que obtive: na verdade, não se trata nem de uma invasão absurda, nem de um domínio perverso, não foi coação e nem chantagem e não me darão dinheiro algum por isso. Tudo isso, essa tomada do meu corpo, mente e alma, aconteceu porque eu deixei, eu quis, pior, eu busquei maneiras para que isso acontecesse. E cá estou. Se como, não é mais a minha necessidade que conta, ou o meu desejo. A Mariana é quem dá o cardápio e faz as exigências:
Nada de carne de porco, nem sushi, nem café, nem coca-cola, nem muito açúcar, nem muito sal, nada de álcool e não pode comer e beber ao mesmo tempo. Em vez disso, salada, bem lavada, muito leite e derivados, troco manteiga por queijo branco, pão normal para integral e frutas de todos os tipos. Comer de duas em duas horas, mas sem engordar. ( ahn????). Ah, e nada de comidas com cheiros muito fortes, porque isso dá enjôos. Aliás, não só o cheiro de comida, pode ser até mesmo de perfume, o que antes era cheiroso ficou fedorento e insuportável.
Nem na internet navego em paz, pois começo a digitar um site qualquer e meus dedos, em plena desobediência, já escolhem outras letras no teclado a fim de entrar em um site para gestantes, bebês, decoração infantil, saúde, etc. E isso funciona para qualquer coisa, TV, livros, revistas, até as conversas são invadidas pelo assunto. As lojas que observo e entro não mais dizem respeito a minha necessidade, não posso ver uma lojinha com carrinho de bebê, roupinhas de bebê, acessórios de bebê, tudo de bebê, que fico ali olhando, pesquisando preços, comprando. Ah, comprar... me lembra outra coisa que não me pertence mais: o dinheiro. Ficamos três meses decidindo se comprávamos ou não uma geladeira, pois pensávamos no berço e em tudo o que poderíamos fazer com aquele dinheiro dispensado tão “inutilmente” em um acessório doméstico. Afinal para que ter água gelada ou carne congelada?
Até na intimidade esse bebê está presente, se não chutando minha barriga em momentos inconvenientes, desconcertando meus músculos, estômago, cabeça, concentração...
O estranho é que tê-la aqui dentro, por mais desconcertante que seja, traz-me muito mais alegria, esperança e paz que nenhum mal estar consegue dar conta. Como disse, isso está longe de ser uma reclamação, pois antes de tomar meu corpo, esse serzinho tomou meu coração, total e profundamente e de tal maneira que todo o resto não ganha tanta importância. Que tome meu corpo, que tome tudo em mim, minha filhinha é uma das bençãos mais preciosas que Deus poderia dar. E... esse corpo, definitivamente não me pertence mais.

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